4.12.2009

Falando em parar para pensar...


“Costuma repetir-se que, de quando em vez, é preciso parar para pensar. O preceito não esta em absoluto desprovido de razão. Sempre que nos cumpre defrontar situações que nos apresentam como “difíceis”, que sentimos não serem “simples”, que excedem as rotinas do que nos é “familiar” – importa, na verdade, interromper o curso da nossa mera flexão mundana e ocupar o espaço de alguma re-flexão: dar conta da complexidade dos elementos em jogo, das suas dinâmicas e do nosso posicionamento, dos “nós” que urge desatar para estabelecer e prosseguir caminhos susceptíveis de aportar a desenlaces bem sucedidos.
Todavia, todos conhecemos também casos em que um asseveramento de que “muito se anda a pensar” mal serve de disfarce tosco para a escassez do que realmente é feito, e em que a avisada constatação de que “muito está ainda por pensar” se converte em rasteiro motivo e pretexto, auto complacente, para nada empreender.
Atalham-nos, por isso, de outras bandas, que parar é morrer, e que, em conformidade, ante as premências e urgências do agir (não raro revestidas de uma despachada pretensão de “mostrar obra feita”), o pensar (referido, em regra, como “um excesso de pensar”) apenas redunda em embaraço ou estorvo, só serve “para atrapalhar”.
A defesa desta atitude a abordagem acompanha-se, com frequência, de uma exaltação ansiosa do “pragmatismo”, da “capacidade de decisão”, da expedita “obtenção de resultados”. Faz-se economia do indispensável trabalho que dá construir uma boa solução, e escancaram-se, muitas vezes, as portas do caminhar ao atarantamento entre vias que não são adequadamente percebidas na sua consequência, ao deslumbramento perante o que se imagina ser o “ultimo figurino em voga”, à capitulação grosseira ante o que habilidosamente nos vai sendo soprado como “o que está a dar”.
Passa-se com esta contraposição trivial, mas abstracta, do “pensar” (que alguma “paragem” requer) e do “imparável fazer” algo de muito semelhante ao que ocorre com tantas outras “antinomias” e “antíteses” que, petrificadas, nos assaltam no processo uno de viver.

(…)

Não há contradição real entre “caminhar” e “pensar”. Um caminho pensado é um percurso com destinação; um pensar que não caminha vê-se artificiosamente provado não apenas do seu contorno de constituição, mas também do horizonte para que se projecta, e que o prolonga no registo pratico.

A cultura não é apenas o repositório sedimentado de múltiplas experiências e expressões de descoberta e de construção conjuntas do mundo e da vida, que ao longo de uma cadeia de gerações foram sendo levadas a cabo. A cultura é também o diálogo (pensado) com, a fruição e a valorização de, esse inestimável património, num quadro de apropriação e de alargamento de perspectivas que devém enriquecimento de uma plataforma a partir da qual nos incumbe destinar e escrever os nossos itinerários próprios. A cultura é sobremaneira o processo de cultivo da nossa humanidade – de uma condição que partilhamos, e que nos cumpre acrescentar criativamente, nos grandes como nos pequenos desígnios: pensando, produzindo, transformando.
Que tal cuidarmos de colocar também a cultura (pensada, fruída e valorizada), não apenas na paisagem ornamental, mas na agenda, do nosso quotidiano, isto é, no horizonte das ocupações a que vamos entregando o nosso viver?”


José Barata-Moura
in: Agenda cultural de Cascais - Fevereiro de 2009

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